os gatos abandonados na Turquia são reis e senhores e estão por todo o lado
Quais guardiões do património cultural instalam-se com parcimónia sobre os monumentos

Gatos e cães estão por todo o lado na Turquia e são apoiados pela comunidade

Texto e fotos por Otília Leitão

os gatos abandonados na Turquia são reis e senhores e estão por todo o lado
Quais guardiões do património cultural instalam-se com parcimónia sobre os monumentos

Há sempre um olhar de gato em Istambul, em especial, e na Turquia em geral. Os gatos são comunitários, e, há sempre um recipiente com água e comida em algum canto, nos espaços públicos. Por isso eles são protagonistas num documentário intitulado “Kedi” (gato em turco).

Cão abandonado turco tem o direito para vaguear por onde lhe apetecer
Cão abandonado passa pelas brasas, em Pamukalle, no castelo do algodão, local turístico
Não só os gatos, mas também os c~~~~~~~~~~~~cães estão por todo o lado e a qualquer hora do dia
Não só os gatos, mas também os cães estão por todo o lado e a qualquer hora do dia…

O mesmo é idêntico em relação aos cães abandonados, que as pessoas consideram relacionados com divindades.

Vista de Istambul, capital da Turquia
Istambul, capital da Turquia, onde gatos e cães são senhores e reis do espaço público

Istambul é uma cidade muito bela, no limite entre Europa e Ásia, dois continentes, divididos pelo estreito de Bósforo, que tem segredos e particularidades que a tornam muito fascinante e na qual os gatos, são seres que não se podem ignorar.

Eles aparecem em todo o lado, não só nesta cidade mais visitada do mundo, mas também por todos os lugares que visitamos nas regiões Mármara, do Mar Egeu e do Mar Mediterrânico.  Repentinamente, vimo-los a escapar por um corredor de hotel, à porta de um restaurante, debaixo de uma mesa, passeando nos jardins ou sobre o pedestal de um monumento Otomano.

gato dormita em monumento otomano, na Turquia
Impensável em Portugal deixarem um gato dormitar nas ruínas de Conimbriga! Mas porque não?!

O “sagrado dos gatos” tem permanecido desde há séculos

Os gatos na Turquia estão mesmo em qualquer!!(risos)
Os gatos na Turquia estão mesmo em qualquer!!(risos)

Dizem-nos que já vem deste antigo reino, como “figuras sagradas” e hoje, aqueles que forem descuidados pelos seus donos, terão de ser apoiados comunitariamente.

O motivo é apresentado no documentário Kedi (palavra para “gato” em turco), que mostra como vivem milhares desses animais pelas ruas da cidade e a sua relação afetuosa com os moradores de Istambul.

Crê-se que os primeiros gatos chegaram ao que se tornaria a Turquia há milhares de anos, para combater ratos que atacavam os depósitos de alimentos. E hoje são parte da identidade cultural da cidade. Convivem com os humanos, não se veem dejetos nem cheiros, imprimindo na cidade suas personalidades únicas.

O documentário de Ceyda Torun, cineasta que passou a infância em Istambul, escolhe sete animais – alguns malandros, outros cavalheiros, uns mais ou menos sociáveis, outros verdadeiros jogadores ou carinhosos mostra em imagens impressionantes, como esses gatos se integram à cidade.

Um dos personagens do filme, por exemplo, chega todos os dias até a porta de uma lanchonete para sua refeição de queijo emmenthal e peru defumado, sem nunca entrar na loja. Ele apenas avisa que chegou com o bater das patas na vitrine, hábito adorado pelos funcionários.

O documentário de 80 minutos, que a cineasta dedica `sua terra natal, não evita, também, mostrar o reverso desta aparente pacífica convivência, como o controle de zoonoses e os efeitos da gentrificação na vida dos animais, deixando em questão se os gatos de rua de Istambul durarão por outros séculos, pois os espaços verdes e livres diminuem, e existem tentativas de confinar cada vez mais a liberdade desses animais.

Os cães, embora mais problemáticos, são um sinal divino

Os cães abandonados também recebem o respeito da comunidade turca
Os cães abandonados também recebem o respeito da comunidade turca

O mesmo acontece com os cães abandonados, mas que têm um brinco na orelha para dizer que os municípios sabem da sua existência. As pessoas sentem-se moralmente obrigadas a dar-lhes de comida.

A comunidade turca alimenta os cães e gatos abandonados
A comunidade turca alimenta os cães e gatos abandonados. photo by Otília Leitão
A comunidade canina ascende a mais de cem mil cabeças
A comunidade canina ascende a mais de cem mil cabeças

Estima-se que em Istambul vivam mais de cem mil cães.

As autoridades têm tentado criar parques de retenção, fora das grandes cidades, porque causam algum desgaste nos jardins e lugares públicos, mas desde há anos que a oposição de advogados da Federação dos Animais da Turquia (HAYTAP) vem sendo renovada, por que consideram que os animais assim, correm mais riscos, inclusive de fúria caso não arranjem comida. Os advogados argumentam que tê-los em parques naturais é o mesmo que mantê-los em “campos de concentração”.

O que observámos foi que tanto em Istambul, como depois em Izmir, na zona do mar Egeu, em Kusadasi, que é uma zona exclusivamente turística, na costa mediterrânea, e também em Pamukalle (castelo do algodão) eles são visíveis por todo o lado, calmos e em pacífica convivência.

Semra Tecinem, voluntária entre outros, que se preocupam em arranjar comida para os cães, assim como veterinários para os tratar, recorda que as pessoas não querem que aconteça o mesmo que a história relata: No século XIX, o Sultão Abdulaziz decretou que os cães deveriam ser apanhados e deportados para Hayirsiz, uma ilha estéril, de penhascos íngremes no Mar de Marmara. Sivriada, uma pequenina ilha para onde os governantes bizantinos baniam os criminosos, foi notícia em 1911, quando o governador de Istambul soltou dezenas de milhares de cães lá.

A vida na ilha não durou muito...
A vida na ilha não durou muito…

Contam as pessoas que um cartão postal amarelado mostra centenas de cães na praia. Os seus latidos podiam ser ouvidos a grandes distâncias. Um terramoto ocorreu logo depois e foi tido como um sinal do descontentamento divino, e os cães foram trazidos de volta.

Também sobre eles, foi feito um filme com três animais protagonistas. Chama-se “Stray” da realizadora Elizabeth Lo. Retrata a vida em Istambul, deambulando na procura da comida, atravessando o estreito do Bósforo e até tropeçando numa manifestação sobre os direitos das mulheres.

A realizadora ficou muito emocionada por encontrar tanto carinho das pessoas pelos animais abandonados e quando questionada sobre o que pensou quando realizou o documentário, filmado entre 2017 e 2019, Lo disse que presumia que as cidades com grande número de animais vadios eram desumanas ou não cuidavam dos animais, mas descobriu que, na verdade, se passa o contrário. As pessoas compreendem estes seres animais, aceitam e cuidam.

 

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