Cadela da raça cão de água português
Fred e Daniela

A cadela Duna: Ah! Esse olhar penetrante e feelling protetor
Vou falar de uma bravura doce, da nossa cadela DUNA,
que já nos deixou e à qual estamos profundamente gratos.

Por Otília Leitão

Duna, o nosso “rolinho preto” como gostávamos de lhe chamar, foi o quinto
animal da mesma raça, que tivemos. Mas este foi especial. Ao fim de oito anos
foi connosco para Moçambique, onde nos acompanhou durante três anos.
No aeroporto de Maputo, em 1998, sob um calor intenso, a Duna ficou de
quarentena.

Depois foi a nova casa, uma moradia em Summershild, onde toda
a gente entrava, desde o vendedor de vassouras, ao homem contador de
eletricidade. Deixaram de o fazer, sem que antes tocassem a campainha! Não
que a Duna fosse agressiva, mas porque era intensamente preta e isso remetia
para algo demoníaco na cultura local.

Cadela preta da raça de Cão de Água Português
Duna, doce bravura protetora

Percebendo a superstição, passámos a viajar com ela para o interior de Moçambique, para, em missão de trabalho, acompanhar as eleições presidenciais e autárquicas.

Otília e Mário em serviço de jornalismo em Moçambique

E como nos foi útil! Ninguém se abeirava do carro ao seu  latido mais baixo.
Duna acompanhou-nos aos palmares da Zambézia, à zona da Beira, às praias
de Inhambane ou de Cabo Delgado. Era a nossa companheira, vigia e guarda.
Quando nos fixava com os seus olhos de vidro, por debaixo de uma franja longa
e encaracolada, sabíamos todos que devíamos estar alerta.
Na praia costumava fazer um círculo a demarcar o nosso lugar e gostava de ir
ao banho com as crianças. Gostava de brincar, mas sempre atenta na defesa da
sua “família”. Tinha uma particularidade. De acordo com o tom de voz ela
percebia se estávamos a falar com alguém amigável ou não. Em caso negativo
não parava de ladrar.

Duna a cadela protectora nas praias de Moçambique
Nas praias de Moçambique

 

A raça Cão de Água Português

Sim, a água era a sua predileção e o seu habitat natural. Em toda a bacia
mediterrânica, este tipo de cão – que viveu na Casa Branca, o “BO” do expresidente norte-americano Barack Obama e sua família – era usado pelos
pescadores para mergulhar e apanhar peixe. Era uma espécie de radar. Em terra
ajudava a puxar as cordas para a amarração da embarcação aos cais.
Muitas vezes brincámos com a Duna atirando uma bola ou um pau à água! E lá
ia ela buscá-la ainda, que precisasse de mergulhar.
Há quem defenda que o Cão de Água é o ascendente do cão da Terra-nova,
Chesapeake Bay, Retriever do labrador, Poodle e até o Cão de Água Irlandês. Em 1588, 130 navios da Invencível Armada partiram de Lisboa, levando cães
a bordo. Ao largo da Irlanda, não só devido a grandes tempestades como á
derrota perante os ingleses, muitos navios afundaram e apenas metade dos
barcos regressaram.
Crê-se que muitos dos cães tenham sobrevivido e se misturado com raças locais,
dando origem o Cão de Água Irlandês.
Com a evolução das técnicas de pesca, as aptidões desta raça deixaram de ser
apreciadas e desnecessárias. No início do sec. XX, o cão de água começou a ter
o seu posto de trabalho ameaçado, e o seu número diminuiu, acabando por
prevalecer quase e apenas na Costa Algarvia.
Era cão de pobres e como eles nasciam, viviam e morriam, sem história. Como
reflexo, os tratadistas cinológicos ao descreverem as raças estrangeiras,
ignoravam-na. Nunca tinham sido vistos nem apresentados em exposições
caninas.
Em 1934, na Exposição Internacional de Lisboa, dois cães desta raça foram
expostos. Frederico Pinto Soares, fundador da Secção Canina do Clube
Português de Caçadores (mais tarde Clube Português de Canicultura), natural
de Sesimbra, tinha descoberto estes dois cães na referida vila a bordo de um barco.
Depois de muita relutância, os donos destes animais, concordaram que os
mesmos fossem apresentados na referida exposição. E pela primeira vez, dois
Cães de Água foram apresentados em ringue, com o corte de leão e inscritos
como “barbedos”.
A presença destes dois animais chamou atenção e despertou o interesse de
Vasco Bensaúde, açoriano de origem hebraica, bastante abastado, com
empresas na área da navegação e comércio. Ele próprio secretário-geral do
Clube de Caçadores, canicultor e criador de Clumber e Cocker Spaniel.
Com ele, nasceu a história moderna do Cão de Água Português, a sua seleção e
o padrão oficial da raça de autoria dos médicos veterinários Drs. Frederico Pinto
Soares e Manuel Fernandes Marques, em 1938.
Entretanto em 1954, outra pessoa entrou na história dos Cães de Água. Era o
Dr. António Cabral, veterinário da Câmara Municipal de Lisboa, e mais tarde
presidente do Clube Português de Canicultura. Não lhe agradava o monopólio
da raça pela parte de Bensaúde. O Dr. Cabral cruzou o Silves com a fêmea de
origem Algarbiorum, Farrusca, tendo ficado com uma cadela de nome Galé.
Foram estes os dois cães fundadores da linha de Alvalade, tenho nascido a
primeira ninhada em 1958, composta por um macho, Lagos, filho de SILVES e Galé. Até 1979, o Dr. António Cabral registou 17 ninhadas, num total de 76
cachorros.
A primeira ninhada de Cães de Água Portugueses nasceu nos Estados Unidos
em 1971, teve como progenitores a cadela Renascença do AL-Gharb (comprada
em 1968) e Anzol do Al-Gharb (comprado em 1970). O American Kennel Club
(AKC) qualificou os cães para na classe de “variados” – uma espécie de préseleção para as raças que aguardam o reconhecimento pleno. Em 1983, o AKC
reconheceu- o como uma raça distinta.
Ao Cão de Água se referira Raul Brandão, no seu livro “Os Pescadores” a
respeito da faina nos caíques de Olhão: “Tripulavam-no vinte e cinco homens
e dois cães, que ganhavam tanto como os homens. Era uma raça de bichos
peludos, atentos um a cada bordo e ao lado dos pescadores. Fugia o peixe ao
alar da linha, saltava o cão no mar e ia agarrá-lo ao meio da água, trazendo-o
na boca para bordo.”
Quando Leão, o cão português que fora usado como padrão da raça morreu,
Bensaúde escreveu: “Não sei se alguma vez irei ter um cão magnifico como
este, mas pelo menos poderei dizer que ele fez parte da minha vida e do meu
canil”.
Também eu e a minha família “choramos” a Duna, na sua doença cancerígena,
três anos depois da nossa chegada a Portugal em 2001 e na sua morte em 2003.
Eternamente gratos querida Duna.
Sobre as características do Cão de Água Português ver em Clube Português de
Canicultura.https://www.cpc.pt/racas/racas-portuguesas/cao-agua-portugues

Por Otília Leitão

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