Por Graça Afonso*

 Era só um animal…

O teu cão ou o teu gato morreu, e tu que amavas aquele ser, estás num sofrimento atroz e vem alguém dizer “era só um animal…, ou arranja outro”. É um turbilhão de sentimentos e ao mesmo tempo de incompreensão pela nossa dor… E aí, ainda nos sentimos mais sozinhos, e ainda dói mais… A sociedade tem tendência a julgar por quem e como devemos sofrer as nossas perdas! Mas a perda é de cada um e cada um vive-a como pode…

Naja, muita saudade… O luto é um processo com várias fases.

Quando um ente que nos entrou no coração parte, quer seja humano ou animal, é um pedaço de nós que é arrancado e isso causa muito sofrimento… A perda quer física, quer emocional faz parte do ciclo de vida e é natural viver um processo de luto.

Estudos realizados por psicólogos confirmam, que o luto pela perda de um animal é real e que não existe qualquer diferença nas emoções e reações, que o enlutado experimenta, quando comparado com o que sente pela perda de um familiar ou amigo.

A psicóloga Camila Eckert, afirma que o luto é um processo subjectivo e a tentativa de estabelecer um padrão, não contribui para a sua compreensão. “Viver o luto é uma experiência única, que se manifesta de diversas formas, em diferentes pessoas. Há, no entanto, algumas características comuns nos vários âmbitos da vida daqueles, que estão passando por esse processo, como por exemplo: intelectual emocional, físico, espiritual e social. Ou seja, o enlutado pode apresentar dificuldade de atenção e concentração, insónia, diminuição ou aumento de apetite, isolamento, contestar sua fé, além de crises de choro, raiva, culpa e alívio”.

Mensagens, rituais de despedida

Passar por esse processo, segundo Eckert, requer paciência, e aprendizagem para se adaptar ao mundo com a ausência daquilo, que se perdeu. “Quando a pessoa não consegue se readaptar à nova realidade e retomar as suas atividades diárias, o acompanhamento de um psicólogo pode ajudar o indivíduo a lidar com esse processo”, explica Camila.

O ser humano passa por cinco fases do luto: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e finalmente a aceitação. O tempo de reacção de cada um, a cada fase depende de cada pessoa e de como ela consegue resolver a perda, até chegar à fase de aceitação. Alguns demoram dias, outros anos e alguns nunca aceitam. Os sinais, que indicam a necessidade de acompanhamento psicológico, dependerá dos prejuízos na rotina diária, ou seja, a pessoa se torna incapaz ou expressa muitas dificuldades de retomar atividades diárias, trabalhar, lazer, ou fazer planos.

Esse acompanhamento psicológico passa por ajudar o paciente a entender esse sentimento e a reflectir sobre a sua dor, sendo necessário aprender a dar um novo significado à perda. Sofrer é esperado e necessário, mas é preciso reaprender a conviver sem a presença do animal, que tinha toda uma rotina. Conviver e conversar com pessoas, que já passaram pela mesma situação ajuda muito, falar dos sentimentos também. Esse é o primeiro passo, segundo alguns psicólogos. Sendo que o luto por animais de estimação, é um luto não reconhecido, não compreendido, ou “não autorizado”. É raramente reconhecido pelos familiares e ou pela sociedade. Este tipo de luto, normalmente, não é validado, impedindo que a dor seja expressa, reforçando assim um sofrimento que permanece mudo e implode dentro nós, sufocando uma dor que deveria ter livre expressão contra todos os tabus da sociedade.

 Daí a importância da pessoa se permitir expressar e manifestar a sua dor, e buscar ambientes e pessoas, que aceitem esse sofrimento como legítimo, realizando rituais de despedida, que façam sentido para si, entendendo que é um processo, que não tem fim e que a forma de lidar com a dor é subjectiva. Assim sendo, cada pessoa deve fazer o que faz sentido para ela, já que essas são algumas maneiras de lidar com a dor do luto.

Quando a morte do nosso animal de estimação vem naturalmente, pelo avanço da idade ou por doença, já é doloroso, mas, quando o caso é de eutanásia a dor é ainda pior, para nós e, por vezes, até para o médico-veterinário, sendo que ambos tendem a sentir-se culpados. Lidar com a morte do animal, que faz parte da família já é difícil, a situação de precisar autorizar essa morte, pela eutanásia, torna esse momento especialmente doloroso emocionalmente. Muitos não conseguem autorizar e é preciso respeitar.

O médico-veterinário também pode sofrer, pois há um conflito moral, ter estudado e se formado para salvar vidas e precisar recorrer ao acto de tirar a vida a um animal. Também é importante não julgar nem condenar o profissional, que não quer ou não consegue fazer esse procedimento.

A psicóloga e docente da Faculdade Anhanguera, Sara Elias, explica, que os impactos da perda de um animal de estimação, a curto prazo, dão à pessoa a percepção de que nunca mais será feliz. “Essa sensação de desamparo, quando estamos frente a situações de sofrimento. E, a longo prazo, quando não conseguiu se preparar para a perda ou não aceitou ajudas qualificadas, a pessoa não se disponibiliza para outros vínculos, fechando-se. A perda se torna um mito, um marco intransponível”.

Dizer que “é só um animal’, que “é só colocar outro no lugar”, ou outros conselhos obsoletos do mesmo gênero, é desmerecer o sofrimento.  Isso pode levar o enlutado a não se permitir manifestar a dor, pois essa não é aceite, nem reconhecida como válida ou real. E para um luto ser saudável é necessário, que seja reconhecido como verdadeiro, sendo permitida a sua manifestação, e respeitando o tempo de cada um. Não julguem, acolham!

Aos que enfrentam essa situação, aconselhamos atendimento psicológico, pois ajuda a entender este sentimento e a refletir sobre a sua dor. Na terapia há um lugar onde a pessoa pode expressar seus sentimentos, sem julgamentos. “Realizar psicoterapia irá facilitar a verbalização, a expressão de sentimentos e das experiências relacionadas com o que se perdeu. O psicólogo vai acolher essa dor emocional e irá ajudar o paciente a encontrar outro significado para essa perda.

Toda a vida lidamos com a perda de pessoas, de animais, de sonhos, de projetos, de empregos, e muitas vezes, não percebemos isso. Então se a perda é inevitável, que tal pensarmos no hoje, no que temos, no que estamos a viver, e não no que perdemos?

É deveras importante falar de luto num tempo de tantas incertezas, de tantas perdas, porque ao falarmos das perdas, falamos da vida”.

*jornalista e fotógrafa

 

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